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Carta aberta à Sheilla e a seleção brasileira

Por: Andressa Figueiredo

O sonho acabou. Vasculhei os cômodos do meu cérebro em busca de palavras generosas que servissem de consolo para vocês. Nada encontrei. Sofri diante de minha incapacidade. Não queria vê-las chorar. Não queria vê-las sofrer. Juro que se eu pudesse pegaria toda essa dor para mim e as livraria desse fardo tão pesado. Infelizmente não dá. Teremos de suportá-lo juntas. Eu, vocês e mais outros milhões de torcedores brasileiros que depositaram suas moedinhas-do-sonho nessa competição.

Em Milão, o Ginásio lotado. O último apito do árbitro soou. Trajando azul marinho, as jogadoras norte-americanas invadiram a quadra aos gritos. Tomadas de euforia, trocavam abraços apertados e descarregavam ali adrenalina do jogo. Pareciam não acreditar no que haviam acabado de fazer. Essa imagem, certamente, prendeu a atenção daqueles que, ao redor mundo, assistiram essa partida. Também quis ser hipnotizada por ela.

Meus olhos, no entanto, como que tomados por vontade própria, se voltaram para o outro lado. Cabeças baixas, ombros caídos, expressões de descrença, lágrimas sendo seguradas com esforço. Demorei para assimilar o que estava acontecendo. O uniforme verde-amarelo foi me forçando a recobrar os sentidos. Atônita eu olhava para aquela cena e não acreditava nas imagens que se desenhavam diante dos meus olhos. 

Quando coisas ruins acontecem, tenho mania de pensar que posso estar só sonhando. Nesse caso, pesadelo. Queria ter acordado e confirmado minha suspeita. Mas não era sonho, nem pesadelo. Era pior, era real.  Perdemos. Deixamos escapar uma taça que por hora cheguei a pensar que já estava em nossas mãos.

Esperei pelo turbilhão de lágrimas capazes de lavar a alma e amenizar essa angústia. Para minha surpresa, elas não vieram. Nenhumazinha sequer. Queria dizer-lhes que isso significa que estou muito bem, obrigada. Mas não. A garganta seca, as unhas roídas, as pernas trêmulas e o coração murcho foi o que restou. Meu dia ficou cor de cinza. Apaixonada como sou, costumo me envolver estritamente com o voleibol. É inevitável. Isso sempre se reflete em minhas emoções.


Nunca soube ser indiferente. Nunca soube acompanhar com o distanciamento daqueles que assistem por assistir. Vôlei não é frieza, vôlei é quentura, é fervor, é explosão. Para mim nunca fez sentido aquele velho “é só um jogo”. Nunca é. Ali em quadra não estão só as jogadoras com seus golpes. Aquele é o momento onde muitos outros sentimentos se materializam. Há vontade, há treino, empenho, dedicação, expectativa, nervosismo, ansiedade... Há ainda a fragilidade: uma senhora traiçoeira que encontra a forma mais cruel para mostrar que antes de serem atletas, nossas jogadoras são humanas. E sendo humanas também estão sujeitas à derrota.

Nas arquibancadas (reais, televisivas ou virtuais), se alimenta o mau costume de pensar que os atletas são super-heróis. A estes tenho uma péssima notícia: as coisas não são bem assim! Por trás de cada jogadora há uma pessoa comum, com urgências e limitações. Pessoas que assim como nós, estão sujeitas as mais diversas peripécias da vida: sucessos, fracassos, alegrias, tristezas, triunfos, sorrisos, lágrimas. 

 “O que foi que deu errado?” Não consigo pensar em pergunta mais absurda para o momento. Culpar técnico, jogadora X ou Y seria tão insensível quanto. Meus amigos, o que vocês sabem de esporte? Atleta aprende desde cedo a máxima universal da vida: hora ganhar, hora perder. Torcedor precisa entender isso também. Vejo muita gente, que até ontem se dizia “brasileiro com muito orgulho e muito amor”, desdenhando de nossa seleção. Ah, como tenho pena de vocês... Nem me ocupo em confrontar-lhes, pois imagino que já seja bem difícil ser assim tão raso.

Entendo de frustração. Perder dói e é difícil, não nego não. Principalmente porque nos habituamos a estar do lado vencedor. O sabor da derrota é dos mais amargos. Mas aconteceu que perdemos. E me recuso a desmerecer o trabalho que foi feito por causa desse tropeço. Sim, tropeço, pois temos um grupo muito melhor, muito mais forte e muito mais consistente. Com todo respeito às norte-americanas, que hoje foram excepcionais em todos os fundamentos e venceram por méritos próprios. Fomos todos surpreendidos por uma equipe que vinha de altos e baixos, que teve hoje um dia bem alto.

Hoje mais do que nunca gostaria de dar um abraço apertado em cada uma de vocês. Agradecer pela belezura de que campeonato que fizeram. Dizer que os grandes também caem, mas o que os faz grande é a coragem de reerguer-se. Vocês venceram onze e perderam uma. Me fizeram vibrar onze vezes e só tenho motivos para sentir orgulho. Parabéns, meninas! De verdade, parabéns por tudo o que fizeram. Vocês podem estar achando agora que tudo foi insuficiente, inútil, mas não foi. Não se culpem, não. Tentem tirar fazer dessa tristeza um grande aprendizado e combustível para as próximas batalhas. 

Sei que nada do que eu disser agora vai apagar esse episódio de nossas mentes. Também não é este meu propósito, não sou tão pretensiosa assim. Estou, assim como vocês, incrédula. Será difícil dormir essa noite e talvez continue sendo por mais algumas próximas. A ferida ainda está aberta, sangrando... Mas qualquer hora dessas cicatriza. A vida tem dessas coisas, não é mesmo? Nossa participação ainda não acabou. Briguem por esse bronze, meninas! Queremos sim! Seja lá qual for o resultado, iremos acolhê-las com o carinho e respeito que merecem. O verdadeiro torcedor sabe admirar a luta antes de qualquer resultado. E a luta de vocês é honrosa.  

Sheillinha, 
Senti essa derrota por você. Todos já estão fadados de saber de minha admiração e carinho por ti. Não sou imparcial nesse assunto. Acompanho de perto e sei o quanto essa conquista era importante, já que foi provavelmente sua última participação no Mundial.

Fico imaginando planos mirabolantes que pudessem reverter essa situação. Queria poder amanhã, arrancar o troféu dos campões e entregar-lhe em suas mãos sob a justificativa de ser você quem mais o merece no mundo inteirinho. Talvez eu até fizesse isso mesmo se não estivesse geograficamente tão distante. Mas conhecendo-a como eu conheço, sei que isso não a alegraria nada, pois você queria mesmo era tê-lo conquistado, ter vencido cada um dos obstáculos que a separavam dele. Faltou dois degrauzinhos...

Vejo-me agora diante de minha fraqueza por não poder tirá-la desse tormento. Imensurável a desilusão que me aflige ao cogitar a possibilidade de vê-la deixar a seleção sem esse que era seu maior sonho na carreira. Eu queria tanto tanto tanto que vencesse. Daria tudo para não vê-la derramar nenhuma lágrima.  Você tem todo o direito de estar triste, nem vou ousar te pedir para não ficar.  Mas não deixa isso te abalar não. Eu também queria mais este título enfeitando tua estante. No entanto, não são os teus troféus que a fazem ser a melhor do mundo. É tua postura. Tua dignidade.

Fiquei orgulhosa de teu pronunciamento mais cedo. Todos nós, brasileiros, ficamos indignados com os erros grotescos de arbitragem. Você soube reconhecer que é coisa que acontece no calor do jogo. Outros tentariam culpa-lo para minimizar a situação. Você, ao contrário, teve a sensatez de não fazê-lo. Soube encarar a derrota de frente, coisa que só faz quem tem maturidade de campeão.  Agora, bola para frente, tentar esfriar a cabeça e fazer o melhor que puder amanhã. Sei que você não é de comemorar segundo, terceiro ou quarto lugar. Mas independente de colocação, merece comemorar tua atuação brilhante ao longo dessa trajetória.

Pode não servir de grande coisa, mas para mim a maior vitoriosa dessa competição é você. Pelos jogos, pelos pontos, pelos erros, pelos acertos, pela garra, pela integridade. Sim “você é a melhor do mundo e deixa todo mundo para trás”. Teve, tem e sempre terá meu apoio, carinho e torcida. Espero que em pouco tempo o sorriso mais lindo do mundo volte a estampar seu rosto. Muitos beijos. E lembra que depois de toda tempestade vem sempre a calmaria. 

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Fotos do jogo de hoje na página do Portal Sheilla no Facebook:

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